Por Marcos Helano Montenegro, doOutras Palavras
Em junho último, na 23ª edição de prêmio promovido pelo jornal Valor Econômico, Radamés Casseb, CEO da Aegea Saneamento, holding de várias concessionárias privadas de água e esgoto, foi “eleito” Executivo de Valor em 2022 na categoria “Infraestrutura”.
De fato a Aegea foi destaque nesse ano: a remuneração anual dos seus quatro diretores, entre os quais está Cassab, atingiu a fantástica cifra de R$ 51.075.223,87, dos quais R$ 26.896.151,26 (53%) pagos a título de incentivo de longo prazo! Ou seja considerando treze remunerações mensais, os diretores da Aegea ganharam em média R$ 982.215,84 mensalmente.
As informações foram retiradas de tabela da página 296 do Formulário de Referência de 2023, Versão 2, disponibilizado pela Aegea Saneamentos e Participações S.A à CVM (Comissão de Valores Mobiliários).
Consultando na internet os formulários de referência de nove empresas privadas de saneamento básico o ONDAS verificou que em 2022 os seus diretores executivos ganharam em média R$ 237 mil reais por mês, (remuneração anual dividida por treze). Da tabela 1 constam os valores pagos em média por mês a esses diretores no ano de 2022 por cada empresa e sua equivalência em salários mínimos. O menor valor médio verificado, R$ 72.393,15, foi pago pela Saneatins, de Tocantins, a seus diretores, e corresponde a 60 salários mínimos de 2022. A remuneração média mensal dos dirigentes da Aegea equivale a 810 salários mínimos de 2022!
As comparações podem ser feitas também com a remuneração mensal média do trabalhador brasileiro que no trimestre de setembro a novembro de 2022 atingiu R$ 2.787, de acordo com a PNAD Contínua do IBGE.
É relevante lembrar que os serviços de água e esgoto, prestados em regime de monopólio, são insubstituíveis e essenciais à saúde pública e à salubridade ambiental. São as tarifas pagas por uma população da qual pelo menos um quarto vive em situação de extrema pobreza, segundo informa o Cadúnico, que financiam essas remunerações estratosféricas de uns poucos eleitos para garantir lucratividade cada vez maiores de empresas prestando serviços públicos essenciais.
Tabela 1 – Empresas privadas – Remuneração mensal média por diretor em 2022
Verifica-se que um trabalhador remunerado pelo salário mínimo precisaria trabalhar 15 anos para ganhar o que na média ganhou por mês um dirigente de empresa privada de saneamento básico. Haja iniquidade!
O ONDAS levantou também as remunerações pagas aos dirigentes de empresas estaduais de saneamento básico com estatuto de sociedades de economia mista de capital aberto que também disponibilizam regularmente suas informações à CVM.
Os valores que constam da Tabela 2 mostram remunerações significativamente altas, mas claramente inferiores aos valores praticados pelas empresas privadas.
Nas empresas estatais pesquisadas, a média das remunerações médias mensais correspondeu a 56 salários mínimos de 2022, o que equivale a 4,3 anos de um trabalhador remunerado com o salário mínimo.
Os valores mostram mais uma faceta da privatização dos serviços de saneamento básico: em um país onde a distribuição da renda é absolutamente iníqua, a financeirização de serviços públicos essenciais agrava a iniquidade.
Tabela 2 – Empresas estatais- Remuneração mensal média por diretor em 2022
Na Inglaterra está se desenvolvendo outra situação pedagógica com a recente e abrupta renúncia de Sarah Bentley, CEO da Thames Water, empresa privada responsável pelos serviços de água e esgoto da região de Londres. Em matéria em que noticia a possibilidade de nacionalização (estatização) da empresa, o Financial Times informa que a gestão de Sarah deixa um legado de 14 bilhões de libras de dívidas e uma situação de subinvestimento que em 2022 a empresa prometera resolver com um aporte total de 1, 5 bilhões de libras, dos quais apenas 500 milhões de libras foram pagos até agora.
No cargo desde setembro de 2020, Sarah Bentley havia recebido remuneração total de £ 1.2 milhões no exercício 2020/2021( R$ 7,59 milhões) e de £ 2 milhões (R$ 12,65 milhões) entre salários e bônus, em 2021-22, mesmo período ano em que a Thames Water foi multada em £ 4 milhões (R$ 25,29 milhões) por descarregar esgoto bruto em dois córregos de Oxford. Sarah renunciou logo depois que se tornou pública a informação de que a perda de água da Thames Water é a mais alta dos últimos cinco anos e que a empresa havia informado o regulador Ofwat que não cumprirá sua meta de reduzi-las este ano.
Antes de terminar, a Tabela 3 oferece um vislumbre do que as empresas brasileiras pesquisada divulgam como previsão para a remuneração dos seus diretores executivos em 2023, com base nos mesmos Formulários de Referência. Sabesp e Águas de Teresina não preveem alteração dos valores de remuneração de 2023 dos seus diretores executivos, enquanto a remuneração dos dirigentes da Saneatins será reduzida em 1%. Já a remuneração dos dirigentes da BRK RMM que atua na Região Metropolitana de Maceió, tem previsão de redução de 21%. As previsões da Sanepar e da Copasa para 2023 ainda não estão disponíveis A remuneração média dos dirigentes das oito empresas restantes será aumentada em percentuais que variam entre 24% e 11%.
Já o salário mínimo foi reajustado de R$ 1.202,00 para R$ 1.320,00, uma variação de apenas 9%.
Tabela 3 – Empresas de água e esgoto – Previsão da remuneração mensal média por diretor de 2022 para 2023. Variação percentual em relação a 2022.
As informações sistematizadas indicam que de fato são executivos de valor para suas empresas. Serão também para os usuários dos serviços que pagam as tarifas que sustentam tais remunerações?
Para os trabalhadores do setor seguramente não. A contrapartida dos altos salários dos executivos é o aumento precarização e da terceirização do trabalho e o achatamento salarial. Como testemunham diversos dirigentes sindicais, os processos de negociação salarial incluem chantagens e ameaças de demissão e redução de direitos e mesmo a reposição das perdas inflacionárias é dificultada.
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