Exigência de revalidação periódica foi eliminada em 2022, apesar de alertas e investigações que apontavam uso indevido de dados de beneficiários por entidades associativas
Uma regra que poderia ter servido como barreira a fraudes envolvendo descontos em aposentadorias e pensões do INSS foi desarticulada pelo Congresso Nacional ao longo dos últimos anos. Segundo reportagem do G1, publicada nesta segunda-feira (5), o Legislativo alterou substancialmente a Medida Provisória 871/2019, proposta no governo Jair Bolsonaro (PL), que previa a necessidade de revalidação anual por parte dos beneficiários para autorizar descontos associativos. Inicialmente prorrogado para três anos, o mecanismo foi completamente extinto por lei em 2022.
As alterações legislativas permitiram que entidades e associações continuassem aplicando descontos diretamente nos benefícios de milhões de segurados, o que facilitou um esquema de fraudes que, segundo investigações recentes, atingiu cerca de 4,1 milhões de aposentados e pensionistas em todo o país. O escândalo resultou na queda do então ministro da Previdência, Carlos Lupi (PDT), e em mudanças na cúpula do Instituto Nacional do Seguro Social.
De acordo com a Polícia Federal, diversas associações fraudaram o sistema do INSS ao forjar autorizações de filiação e inserir dados dos segurados de forma automática, sem qualquer documentação comprobatória. A atuação foi possível graças a permissões operacionais da Dataprev, empresa de tecnologia vinculada ao governo federal. As irregularidades envolveram inserções indevidas de descontos mensais sem conhecimento prévio dos beneficiários.
Embora a regra de revalidação não fosse suficiente para barrar todas as fraudes, especialistas indicam que ela teria contribuído para dificultar os abusos. “Não ia mudar nada porque essas pessoas não se filiaram, elas só foram filiadas automaticamente. Então, não importava se tinha de um ano, dois anos ou três anos a revalidação, porque eles iam inserindo no sistema automaticamente novamente”, afirmou Diego Cherulli, presidente do Instituto Brasileiro de Direito Previdenciário (IBDP). Segundo ele, a fragilidade no controle permitiu que benefícios fossem manipulados sem provas ou documentos.
A obrigatoriedade da revalidação foi inicialmente criada por medida provisória em 2019, no primeiro ano do governo Bolsonaro, e exigia que os aposentados e pensionistas renovassem anualmente suas autorizações para descontos em favor de entidades de classe. O texto foi alterado durante a tramitação no Congresso para ampliar o prazo para três anos, e sua implementação acabou sendo adiada diversas vezes, inclusive por meio de “jabutis” — dispositivos sem relação com o conteúdo original inseridos em outras MPs.
O atual ministro da Previdência, Wolney Queiroz (PDT), chegou a propor, ainda como deputado federal, uma emenda para novo adiamento da exigência de revalidação, em razão da pandemia. A proposta foi incorporada a uma MP que tratava da ampliação da margem do crédito consignado, embora o tema original da norma não abordasse os descontos associativos. Em 2022, uma nova lei — derivada de outra MP aprovada pelo Congresso — eliminou completamente a obrigação de revalidar a autorização.
Mesmo com a mudança legal, um decreto do governo Bolsonaro de 2020 manteve a exigência da revalidação a cada três anos. No entanto, diante da ausência de fiscalização eficaz e do uso de dados sem consentimento, a medida perdeu efetividade na prática.
Após o escândalo, a Ouvidoria-Geral da Previdência Social sugeriu em documento interno que o INSS adote “medidas para assegurar que os descontos associativos vigentes sejam revalidados mediante certificação inequívoca da manifestação do beneficiário”, e que qualquer desconto só seja incluído após autorização prévia. A recomendação, porém, ainda depende de deliberação e adoção efetiva por parte do governo.
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