Reclamações ignoradas por anos apontam descontos em benefícios de aposentados e pensionistas
Reclamações sobre descontos indevidos em benefícios do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) já circulavam em sites como o Reclame Aqui desde 2016, muito antes da deflagração da Operação Sem Desconto, da Polícia Federal. A investigação, que revelou a existência de uma organização criminosa infiltrada no sistema de consignações da Previdência, foi detalhada em reportagem do portal Metrópoles, que também destacou o impacto do esquema em milhares de aposentados e pensionistas.
A primeira queixa identificada pelo Metrópoles remonta a novembro de 2016, quando um beneficiário relatou ter sofrido descontos não autorizados desde agosto daquele ano. “Peço o estorno de todas as contribuições descontadas e a imediata exclusão do desconto”, registrou o aposentado. O relato foi apenas o prenúncio de uma avalanche de denúncias semelhantes, que ganharam força nas últimas semanas, após a operação policial que expôs o esquema de fraudes.
Desde a deflagração da operação, no dia 23 de abril, centenas de novos registros passaram a aparecer na plataforma. As reclamações revelam um padrão de descontos mensais feitos por associações e sindicatos sem autorização dos beneficiários — mesmo após o bloqueio dessas cobranças pelo próprio INSS.
Um dos relatos mais recentes é de um pensionista de Nova Iguaçu (RJ), que afirmou continuar sendo descontado por uma entidade associativa, mesmo após bloquear esse tipo de débito. “Gostaria de saber o que o INSS irá fazer pra resolver e fazer a restituição dos valores cobrados após o bloqueio do mesmo”, escreveu, demonstrando indignação com a ineficácia do sistema de proteção ao segurado.
Outro caso semelhante é o de um beneficiário de São Gonçalo (RJ), que afirmou ter sido descontado indevidamente entre abril e dezembro de 2024. Apesar de o INSS ter interrompido os débitos, orientou que a devolução dos valores fosse solicitada diretamente à entidade Unaspub — uma das organizações investigadas. “A Unaspub deu um prazo de 60 dias úteis para fazer a restituição do valor, e esse prazo já passou. Eles não restituíram o dinheiro. Terei de ir para a Justiça”, desabafou.
Há ainda o caso de uma aposentada que, após ler reportagem assinada por Tácio Lorran, no Metrópoles, passou a conferir seus extratos e identificou descontos suspeitos de um sindicato ao qual nunca se associou. Segundo ela, mesmo tendo tentado cancelar as cobranças pelo aplicativo do INSS, não conseguiu resolver a situação. “Estou fora do país e não consigo resolver fisicamente. Já pago quase R$ 1 mil de empréstimos há anos e ainda me cobram isso. Indignada”, relatou.
O perfil do INSS no Reclame Aqui, embora não seja oficial nem gerenciado pelo governo, se tornou uma espécie de mural público de denúncias. Nenhuma das queixas registradas foi respondida até hoje. Segundo as regras, para que o beneficiário verifique possíveis irregularidades, deve consultar o extrato de pagamento disponível no aplicativo ou site do Meu INSS.
A gravidade das denúncias motivou a formação de um grupo de trabalho pela Advocacia-Geral da União (AGU), com o objetivo de analisar e buscar formas de viabilizar a restituição dos valores cobrados ilegalmente.
De acordo com as investigações da Polícia Federal e da Controladoria-Geral da União (CGU), o prejuízo causado pela fraude pode alcançar R$ 6,3 bilhões. Entre janeiro de 2023 e maio de 2024, o INSS recebeu cerca de 1,9 milhão de pedidos para bloquear ou excluir mensalidades associativas, indicando o alcance massivo da prática ilegal.
A Operação Sem Desconto resultou no afastamento de dirigentes do INSS e na exoneração de Alessandro Stefanutto, então presidente do instituto. A crise ainda atingiu o então ministro da Previdência Social, Carlos Lupi (PDT), que também foi demitido pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva no mesmo dia em que a operação foi deflagrada.
Além do rombo bilionário nos cofres públicos e da violação de direitos dos segurados, o esquema comprometeu a operacionalidade do instituto, gerando um prejuízo administrativo estimado em R$ 5,9 milhões por conta do volume de demandas relacionadas a bloqueios e correções.
As investigações continuam.
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