Com o avanço do Pix, o Brasil caminha gradativamente para abandonar o dinheiro físico. Lançado em 2020, o sistema já é o meio de pagamento mais utilizado no país, segundo a Federação Brasileira de Bancos (Febraban). No entanto, o ritmo dessa transformação não alcança todos, especialmente idosos, analfabetos digitais e moradores de regiões com baixa conectividade.
Em 2019, as cédulas representavam 48% das transações. Em 2023, esse número caiu para 22%. A estimativa é que, até 2027, apenas 12% das operações ainda sejam feitas com dinheiro vivo.
O problema é que a mudança não alcança toda a população de forma igualitária. Enquanto um recorte domina aplicativos bancários, QR Codes e chaves aleatórias, outra parcela depende da ajuda de familiares para realizar uma simples transferência, ou sequer tem acesso estável à internet e a dispositivos compatíveis.
Falta educação e paciência
Um dos casos é o da aposentada Suely dos Santos Ramalheda, de 70 anos, que raramente usa Pix. Ela prefere o cartão de débito e, quando precisa transferir valores, recorre à sobrinha. Para Suely, acompanhar o mundo digital é difícil, sobretudo pela falta de paciência das gerações mais novas com os idosos:
“Se eu estiver com alguma sobrinha do meu lado, por exemplo, ela faz. Mas, normalmente, as contas já estão todas no débito. Até porque as pessoas não têm muita paciência para explicar. Conforme a idade da gente, não adianta falar uma ou duas vezes. Tem que ser três, quatro, ou até mais”, conta.
Suely dos Santos diz que a paciência é um ingrediente na hora de ensinar os mais velhos I Arquivo pessoal
Suely se enquadra no que o Indicador Nacional de Analfabetismo Funcional (Inaf) chama de “reconhecimento” primeiro estágio das habilidades de letramento digital. Ela não tem dificuldade em usar o celular, mas não se sente segura com operações bancárias , principalmente por medo de golpes.
Para a cientista social e educadora em direitos digitais Marcela Canto, da ONG Futuroon, o problema não está na existência da tecnologia, mas no fato de ela ser imposta como única via de acesso a um direito básico: o de pagar e receber.
“A tecnologia financeira existir por si só não é um problema. O problema é ela se tornar o único meio de você acessar algo que é um direito seu. Se a única forma de pagar ou receber um auxílio é pelo Pix, isso automaticamente exclui quem não consegue operar a ferramenta com autonomia.”
Segundo o Instituto Locomotiva, 65% das pessoas das classes D e E, que somam mais da metade da população, ainda utilizam o dinheiro físico como principal meio de pagamento. Ao mesmo tempo, o celular está presente em 93% dos lares brasileiros, de acordo com o Cetic.br. Mesmo entre os analfabetos funcionais, 72% usam o aparelho.
A dificuldade em se adaptar, no entanto, contrasta com a rápida adesão fiscal ao novo modelo de pagamentos. O economista Gilberto Braga, professor de MBA no Ibmec Rio, explica que a substituição do papel-moeda por transações digitais reduz custos logísticos e operacionais, mas essa transição precisa considerar as desigualdades sociais e educacionais do país:
“O uso do Pix promove uma economia de custo do meio circulante. O Estado deixa de produzir papel-moeda, o que significa menos gastos com impressão e distribuição. Mas essa mudança estrutural exige que a população esteja minimamente letrada digitalmente. Não se trata apenas de ter um celular: é preciso compreender as operações, saber identificar riscos, golpes e usar com autonomia. Senão, a inclusão vira dependência.”
O processo envolve etapas que passam despercebidas por quem já está habituado, mas que podem ser um desafio para quem ainda está nos níveis iniciais de alfabetização digital. O Inaf classifica o letramento em cinco níveis, e muitos brasileiros ainda não superaram os dois primeiros: reconhecer e localizar.
Com o avanço do Pix, o Brasil caminha gradativamente para abandonar o dinheiro físico. Lançado em 2020, o sistema já é o meio de pagamento mais utilizado no país, segundo a Federação Brasileira de Bancos (Febraban). No entanto, o ritmo dessa transformação não alcança todos, especialmente idosos, analfabetos digitais e moradores de regiões com baixa conectividade.
Em 2019, as cédulas representavam 48% das transações. Em 2023, esse número caiu para 22%. A estimativa é que, até 2027, apenas 12% das operações ainda sejam feitas com dinheiro vivo.
O problema é que a mudança não alcança toda a população de forma igualitária. Enquanto um recorte domina aplicativos bancários, QR Codes e chaves aleatórias, outra parcela depende da ajuda de familiares para realizar uma simples transferência, ou sequer tem acesso estável à internet e a dispositivos compatíveis.
Falta educação e paciência
Um dos casos é o da aposentada Suely dos Santos Ramalheda, de 70 anos, que raramente usa Pix. Ela prefere o cartão de débito e, quando precisa transferir valores, recorre à sobrinha. Para Suely, acompanhar o mundo digital é difícil, sobretudo pela falta de paciência das gerações mais novas com os idosos:
“Se eu estiver com alguma sobrinha do meu lado, por exemplo, ela faz. Mas, normalmente, as contas já estão todas no débito. Até porque as pessoas não têm muita paciência para explicar. Conforme a idade da gente, não adianta falar uma ou duas vezes. Tem que ser três, quatro, ou até mais”, conta.

Suely se enquadra no que o Indicador Nacional de Analfabetismo Funcional (Inaf) chama de “reconhecimento” primeiro estágio das habilidades de letramento digital. Ela não tem dificuldade em usar o celular, mas não se sente segura com operações bancárias , principalmente por medo de golpes.
Para a cientista social e educadora em direitos digitais Marcela Canto, da ONG Futuroon, o problema não está na existência da tecnologia, mas no fato de ela ser imposta como única via de acesso a um direito básico: o de pagar e receber.
“A tecnologia financeira existir por si só não é um problema. O problema é ela se tornar o único meio de você acessar algo que é um direito seu. Se a única forma de pagar ou receber um auxílio é pelo Pix, isso automaticamente exclui quem não consegue operar a ferramenta com autonomia.”
Segundo o Instituto Locomotiva, 65% das pessoas das classes D e E, que somam mais da metade da população, ainda utilizam o dinheiro físico como principal meio de pagamento. Ao mesmo tempo, o celular está presente em 93% dos lares brasileiros, de acordo com o Cetic.br. Mesmo entre os analfabetos funcionais, 72% usam o aparelho.
A dificuldade em se adaptar, no entanto, contrasta com a rápida adesão fiscal ao novo modelo de pagamentos. O economista Gilberto Braga, professor de MBA no Ibmec Rio, explica que a substituição do papel-moeda por transações digitais reduz custos logísticos e operacionais, mas essa transição precisa considerar as desigualdades sociais e educacionais do país:
“O uso do Pix promove uma economia de custo do meio circulante. O Estado deixa de produzir papel-moeda, o que significa menos gastos com impressão e distribuição. Mas essa mudança estrutural exige que a população esteja minimamente letrada digitalmente. Não se trata apenas de ter um celular: é preciso compreender as operações, saber identificar riscos, golpes e usar com autonomia. Senão, a inclusão vira dependência.”
O processo envolve etapas que passam despercebidas por quem já está habituado, mas que podem ser um desafio para quem ainda está nos níveis iniciais de alfabetização digital. O Inaf classifica o letramento em cinco níveis, e muitos brasileiros ainda não superaram os dois primeiros: reconhecer e localizar.
Letramento digital
Ainda segundo Marcela, o ensino digital no mercado é destinado com prioridade aos mais jovens, pelo potencial de retorno fiscal:
“Pensando principalmente na população idosa, que não é vista como produtiva, você não tem tantas políticas públicas quanto para os jovens. Mesmo as destinadas aos jovens são precárias, mas existem mais. Elas visam preparar para o mercado de trabalho, não necessariamente para o exercício da cidadania. E a educação digital precisa ser voltada para a cidadania, para a segurança, para a participação na vida pública e para o reconhecimento dos direitos humanos, sociais e digitais”, assegura.
A digitalização dos meios de pagamento também impulsionou outro fenômeno: o avanço da bancarização (inclusão de pessoas e empresas no sistema bancário formal) no Brasil. De acordo com o economista Mauro Rochlin, o processo já ganhava força antes mesmo da chegada do Pix, mas foi acelerado por ele.
“Juntamente com o Pix, ou até mesmo antes de sua introdução, já vínhamos observando um forte processo de bancarização da população brasileira. Isso também beneficiou a população de baixa renda, que passou a ter acesso a serviços bancários. Isso ocorreu não só pela facilidade dos meios digitais, mas principalmente por causa do baixo custo do Pix, que, na verdade, não representa custo algum para essa população. Pelo menos parte dela passou a ter também algum acesso ao mercado de crédito.”
ONGs promovem oficinas de educação digital para crianças e idosos em São Gonçalo I Arquivo pessoal
Exclusão digital geográfica
Apesar do acesso ao mercado de crédito, facilitado pela bancarização, moradores de áreas com baixa conectividade precisam lidar com outras questões, como a conexão distribuída de maneira desigual. Muitas regiões do país enfrentam internet de baixa qualidade ou sem cobertura. E mesmo quem tem acesso à rede pode estar limitado a planos com restrição de navegação. Cabe a lógica da conectividade “significativa”:
“A maioria acessa a internet por dispositivos móveis com planos pré-pagos. Muitos funcionam com zero rating, que só liberam o uso de apps como WhatsApp, Instagram e Facebook. Isso limita a experiência na internet e impede o uso pleno de plataformas bancária”, explica Marcela.
Ela também destaca que a distribuição da infraestrutura não garante acesso igualitário mesmo em locais com operadoras instaladas: “Nas periferias há menos antenas por habitante. Se você retira o zero rating sem oferecer rede de qualidade, a conexão simplesmente não se sustenta. Fica ainda mais frágil para quem mais precisa.”
Em algumas comunidades, organizações e projetos locais tentam preencher essa lacuna. A ONG Futuroon, por exemplo, promove oficinas, cursos e ações educativas voltadas ao uso consciente e acessível das tecnologias digitais em São Gonçalo, na Região Metropolitana do Rio.
Ainda assim, a digitalização representa um caminho natural, analisa Braga:
“A tendência no mundo é que o dinheiro físico desapareça em poucos anos, de maneira definitiva, ou que passe a existir apenas para transações muito pontuais. O que observamos é que, mesmo em operações de varejo, como feiras livres ou vendas de pequeno valor, onde antigamente não se usavam cartões ou pagamentos digitais,
hoje já se aceita Pix.”
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