Por volta da metade do século XIX, numa das regiões mais frias, montanhosas e distantes da Guanabara, quase na fronteira com o Espírito Santo, havia um rancho que oferecia pouso noturno quente e café forte. Os viajantes descansavam ali antes de seguir viagem. Só que a dona do negócio, uma senhora chamada Inácia, tinha fama de ser rigorosa e de poucas palavras. Uma regra era clara: quem ali dormia, limpava.
Dona inácia era braba. Ao amanhecer, ela despachava a rapaziada sonolenta com uma ordem seca e direta: “Varre e sai!”
O tempo fez o resto: o apelido virou nome de povoado e, depois, nome oficial do pequeno município. Que poucas décadas assistiria à expressiva chegada de imigrantes da Calabria, na Itália, que fez dela a principal cidade “italiana” do Rio de Janeiro. E os “oriundi” se tropicalizaram tanto que fizeram ali um vinho de…jabuticaba!
Varre-Sai surfou a onda do ciclo do café, que até hoje responde por uma fatia considerável da produção municipal: nada menos do que 38% da produção total do Rio de Janeiro é plantada no município.
Emancipada em 1991, Varre-Sai é hoje mais do que um dos nomes de cidade mais curiosos do Brasil. Aqui o trânsito é entre a rua da padaria e a praça central, o café é local e baratíssimo, e quase ninguém toma vinho sem ser o caseiro de jabuticaba. Mas tudo isso é charme, não abandono.

História
Varre‑Sai nasceu oficialmente apenas em 1991, quando se emancipou de Natividade e Itaperuna, mas, como vimos, sua história começa no século XIX, quando tropeiros vindos de Minas se hospedavam no rancho de Dona Inácia cujo humor peculiar deu a região o apelido que virou nome da cidade.
Na virada para o século XX, chegaram os imigrantes italianos associados ao boom do café e transformaram a região em uma colônia produtiva. A transição rural-moderna foi lenta: até meados do século passado Varre-Sai era apenas um lugar esquecido.
Em 2022 já contava com cerca de 10.207 habitantes em 201 km². A cidade mantém essa aura rural mesmo em 2025 — preserva festa religiosa, cultiva café, e não se apressa.
Onde fica?
Varre‑Sai localiza-se no Noroeste Fluminense, a cerca de 280 km da Guanabara, mais distante até que cidades como Itaperuna ou Bom Jesus do Itabapoana. Com altitude elevada, é a quarta cidade mais alta do estado, o que contribui para suas madrugadas frescas e clima mais ameno.
A influência italiana
Em Varre-Sai, onde 70% da população tem mais “nonnas” do que vovós, as festas italianas são tratadas com a seriedade de quem fermenta jabuticaba como se fosse um Chianti. A mais célebre é o Festival do Vinho, realizado religiosamente no fim de julho, com desfiles de famílias descendentes, shows e milhares de litros de vinho artesanal que fariam um sommelier chorar — de emoção, de raiva ou susto.
Já a Festa da Colônia Italiana, promovida pela paróquia local, é um espetáculo de massas, cantinas e senhoras que parecem saídas de uma ópera rural. E, para quem acha que cultura se faz só na sede do município, a Festa da Jacutinga prova o contrário: entre bandeiras italianas, polentas e bailados comunitários, a tradição pulsa forte nas estradas de terra. Tudo isso em um município com menos de 11 mil habitantes, mas com orgulho proporcional ao de Roma.

Mas o que é o vinho de jabuticaba?
Apesar de se chamar “vinho”, ele não é feito com uva, como o próprio nome sugere, mas sim com a polpa (e, às vezes, a casca) da jabuticaba, que é rica em açúcares e taninos, o que permite a fermentação alcoólica em um processo semelhante ao do vinho tradicional. É produzido por famílias locais em pequenas quantidades, muitas vezes de forma caseira
Quem já provou diz que o sabor é levemente adocicado, com notas frutadas intensas e uma acidez suave; que lembra um vinho tinto jovem. Seu teor alcoólico fica geralmente entre 10% e 12% e a cor é de um roxo mais escuro que um Malbec. Ele também possui propriedades antioxidantes, no caso, da própria jabuticaba, que é rica em antocianinas.
Ou seja, o vinho de jabuticaba é do tipo que você provavelmente não encontra em um supermercado chique, mas pode ser surpreendentemente gostoso e cheio de identidade: especialmente se tomado ao som de sanfona e harmonizando com um bom queijo minas.
O que devo saber antes de ir?
Não espere nenhuma estrutura turística de cidade grande: não há aeroporto, nem grande rede de hotéis. As hospedagens são pousadas rurais ou hotéis-fazenda. Os serviços são simples: supermercado, quatro agências bancárias, outro tanto de farmácias e comércio local básico.
E prepare-se para o silêncio: se quiser noite agitada, suma. Vá para o Rio. Aqui se janta cedo e se dorme cedo. Também leve roupas para frio e dias mais amenos mesmo no verão, especialmente para as madrugadas.
O que tem para fazer na cidade?
Se você ainda não pegou a vibe, aqui o turismo é essencialmente rural, com visitações em fazendas produtoras de café. Há também degustações de vinhos de jabuticaba, fabricação de queijos, artesanato local, licores e cachaças artesanais que não se encontram facilmente fora da cidade.
Eventos como o Festival do Vinho e a Festa da Colônia Italiana, as festas de Abril e Cruz da Ana atraem visitantes e muitas histórias regionais são recontadas com comida, música e dança. Para os mais destemidos, há trilhas, cachoeiras, parapente, motocross e contato com natureza, ou seja, ideal para ecoturismo despretensioso.
Como chegar?
Até dá pra ir de ônibus, com passagens a partir de R$ 190 saindo do Rio ou de Vitória (ES). Mas você vai precisar de carro. Não espere por um transporte público urbano potente. Dentro da cidade, desloca-se tudo a pé ou de carro entre pousadas, fazendas e a praça central.
Vale a pena conhecer?
Se você busca alta gastronomia, museus sofisticados ou vida noturna vibrante, talvez premie-se pela frustração. Mas se o objetivo é aquele cafezinho de manhã com cheiro de terra molhada, vinho artesanal (ou não) no fim da tarde e ouvir histórias da colônia italiana enquanto a brisa bate no rosto… aí sim. A relação custo‑benefício é excelente: tranquilidade, cultura rural, natureza e preços baixos comparados a roteiros convencionais.
Com economia baseada em café, agropecuária e um turismo modesto mas crescente, vale conhecer para quem sabe que é a simplicidade a maior de todas as sofisticações.
Fonte: agendadopoder.com.br
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